II Conferências de Primavera em História da Cartografia
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa
20 May to 06 June 2014
Programa
20 maio, 17h
Luís Filipe Thomaz, A Cartografia de Dieppe e o Conhecimento Quinhentista da Austrália
Um dos mais curiosos traços da cartografia produzida no século XVI pela escola normanda de Dieppe é a constante representação de uma grande ilha ou pedaço de continente ao sul da ilha de Java, que parece refletir um certo conhecimento da existência da Austrália.
Ora sabe-se que nas origens desta escola cartográfica está sobretudo um piloto português, João Afonso, que se pôs ao serviço da França onde veio a ser conhecido por Jean Alphonse de Saintonge, por ter desposado uma mulher oriunda dessa região. Nas suas obras, Les Voyages Aventureux e La Cosmographie avec l'Espère, João Afonso insiste tenazmente sobre a existência de terras emersas ao sul de Java e na sua continentalidade, gabando-se, não sabemos se com razão, de as ter pessoalmente visitado.
Tem-se aventado que essa representação constante nas cartas de Dieppe, de onde passou mais tarde a mapas impressos, seria uma mera reminiscência da cartografia ptolomaica. Há contudo que notar que nem a toponímia dessa terra austral corresponde à de Ptolomeu, antes parecendo de origem descritiva e por conseguinte experimental, nem porque motivo essa terra emersa não aparece ainda na primeira fase da cartografia diepesa, mas apenas na segunda, fundida com o que corresponde à Antártida numa massa continental única, como a da geografia de Ptolomeu. E ainda que o fosse, caberia perguntar porque motivo apenas aparecem terras emersas aproximadamente na zona em que efetivamente as há, e não por exempo, a meio do Índico ou do Pacífico.
6 junho, 17h
Angelo Cattaneo, Três percursos narrativos na História da cartografia: algumas notas sobre Fra Mauro; um Ptolomeu veneziano esquecido; os biombos cartográficos japoneses
Esta conferência aborda três percursos que se relacionam com as funções do pensamento e do desenho cartográfico entre os séculos XV e XVI.
Um primeiro percurso centra-se no mapa-mundo de Fra Mauro e fundamenta-se na ideia da cosmografia como representação de um projecto sobre o mundo e não enquanto representação do mundo propriamente dito. Também o tema da autoria cartográfica será objecto de uma questão: quando é que o mapa-mundo de Fra Mauro foi assim designado?
Um segundo percurso toma como centro de reflexão o estudo de um códice esquecido datado da segunda metade de Quatrocentos, que transmite e reelabora em veneziano vulgar a Geografia de Ptolomeu. Por via da análise do código, a Geografia ptolemaica surge como tecnologia de construção de um espaço gráfico de representação normalizado, no qual se pode desenvolver e controlar a dialéctica "universal / particular", independentemente dos conteúdos geográficos, como demonstram a “cosmografia anatómica” de Leonardo da Vinci.
O terceiro percurso incide no estudo de uma selecção de biombos cartográficos japoneses, e iremos analisar a circulação e a transformação das formas cartográficas no Japão do dito "século nanban",em contraponto com o discurso eurocêntrico e da utilização de termos e conceitos como "Europa/Ásia", Império e Padroado.