Palmira Fontes da Costa (1965-2022)
07 setembro 2022
É com sentido pesar que o CIUHCT noticia o falecimento da nossa colega investigadora e Professora Auxiliar com Agregação aposentada, do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas, da FCT NOVA.
Palmira Fontes da Costa doutorou-se em História e Filosofia da Ciência, na Universidade de Cambridge, em 1995, ano em que foi galardoada com o Prémio Incentivo a Jovens Investigadores em História da Ciência, atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian. Deixou uma obra científica de grande mérito internacional nos âmbitos da história da medicina e da história natural (séculos XVI a XVIII), história do livro médico e historiografia, e ainda sobre temas como representações visuais da natureza, ciência e arte, ciência e género e ciência e ética. Integrou projectos de investigação, nomeadamente em colaboração com Adelino Cardoso, e publicou diversos estudos, em Portugal e no estrangeiro, incidindo em obras de figuras como Garcia de Orta, Leonor de Almeida Portugal, Marquesa de Alorna, Ribeiro Sanches e Albrecht von Haller. Para além da investigação, o ensino foi, também, uma das suas actvidades preferidas: "provavelmente meu maior dever e paixão".
É ainda de destacar o seu envolvimento como Invited Scientist Fellow na organização do Darwin College Humanities and Social Sciences Group (1995-97) e no Seminário de História Natural do Departamento de História e Filosofia da Ciência da Universidade de Cambridge (1997-98). Participou, também, na organização de encontros internacionais e de exposições de que se destaca “Arte Médica e Imagem do Corpo” (2010), na Biblioteca Nacional de Portugal, e colaborou em iniciativas promovidas pela Biblioteca da FCT NOVA, nomeadamente, a exposição “A Censura da Memória – Bibliotecas Destruídas e Livros Proibidos” (2006), bem como na organização de eventos realizados, em 2009, a propósito da comemoração dos 200 anos do nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos da publicação de On the Origin of Species.
Foi membro de diversas sociedades científicas, bem como de conselhos editoriais de revistas especializadas ─ Filosofia e História da Biologia (Brasil) e HoST - Journal of History of Science and Technology ─ e colaborou com a National Science Foundation (USA), no âmbito da arbitragem científica.
Neste momento de consternação e tristeza, o CIUHCT expressa a sua gratidão, admiração e reconhecimento pelas suas contribuições científicas e empenho nas suas actividades, apresentado as mais sentidas condolências à sua família, aos amigos e colegas.
Lembro-me da Palmira com saudade. Achava-a inteligente, sabedora, simpática e divertida. Conhecia bem o universo da botânica da Idade Moderna. Passámos uns dias inesquecíveis em Pádua, juntamente com o Francisco Malta Romeiras e o Luís Carolino, para participar na conferência Scientia- Kowledge in the Early Modern Period em 2017. Do ano seguinte, lembro-me de ver a Palmira em grande forma intelectual na visita à exposição por si comissariada, juntamente com Adelino Cardoso, no Padrão dos Descobrimentos – A Espantosa Variedade do Mundo (2018). Imagens incríveis de seres fantásticos, monstros, animais exóticos e casos médicos particulares. Adorei a exposição e fica para mim como a melhor coleção de imagens que a criatividade e fulgor intelectual da Palmira podiam ter reunido. Finalmente, não posso deixar de recordar o seu sotaque britânico irrepreensível e não posso deixar de assinalar a coincidência de ter partido na mesma semana da Rainha Isabel II, símbolo de uma cultura que a encantava. O entusiasmo no olhar cada vez que falava de Cambridge, Oxford, Londres...
— Ana Duarte Rodrigues, 12 de setembro de 2022
*
A nossa querida amiga Palmira não era uma pessoa só: era toda uma presença em fermento. A nossa querida Palmira não era apenas uma presença em fermento, era, sim, um furacão benévolo de inteligência e incisiva consciência ética.
Perante o seu fermento criativo, pedagógico e intelectual, poderia, em primeiro lugar, focar o seu grande talento pedagógico, a sua capacidade de criar um diálogo aberto – sem medo – com os seus alunos. “É preciso escutar os alunos”, dizia. Ela sabia que o acto de escutar era necessário para o diálogo; o diálogo era indispensável para a aprendizagem; e a aprendizagem fazia parte da humanização – processo infindo –, quer dos docentes, quer dos alunos. Contudo, não direi mais sobre este aspecto dos múltiplos contributos feitos pela nossa amiga na área do ensino. Os seus alunos de bioética, mestrandos e doutorandos falariam com mais eloquência e mais profundidade do que eu sobre a Professora Palmira.
Poderia referir igualmente os seus numerosos contributos à sua área de investigação ou, antes, áreas de investigação, pois a nossa amiga era dotada de uma inteligência criativa excepcional, podendo escrever de forma inspirada e profunda sobre questões relacionadas com a historiografia, a arte e o corpo desde os primórdios da modernidade até ao presente. Ela escrevia de modo magistralmente entrecruzado, traçando linhas de convergência entre tais áreas com a subtileza do poeta e o rigor do investigador. Deixou-nos numerosos artigos altamente elucidativos publicados em jornais de relevo, bem como volumes premiados e de referência, quer em edições portuguesas, quer inglesas. Contudo, sei que a comunidade académica saberá – melhor do que eu – reconhecer devidamente o valor inestimável dos seus contributos científicos.
A título mais pessoal – mais familiar – poderia falar, ainda, da sua amada cadela Buddy. O carinho com que a Palmira falava da sua companheira canina! No meu entender, tal carinho pela Buddy não exemplificava apenas o afecto possível entre um ser humano e um animal; era a concretização – directa, emotiva, profunda – das grandes lições de ética que a nossa querida amiga prodigava nas aulas e vivia no seu dia-a-dia. Quem poderia falar melhor do que eu sobre isto tudo seria a Buddy. Porém, neste contexto, falar não é o verbo certo: a Buddy comunica com a linguagem do próprio universo amoroso, que é, para os seres humanos, quase incompreensível.
Querida Palmira, amiga de há mais de trinta anos, eras e és luz resistente e rebelde. Possuías e possuis um coração guerreiro e amoroso. Tinhas e tens uma mente brilhante e singular. Eras e és mais do que uma pessoa só: eras, és e serás uma multidão de ideias e saberes, a tua própria força gravítica no universo, enfim, uma verdadeira presença humana insubstituível no mundo.
Obrigado, querida Amiga, por ter o privilégio da tua amizade – sem prazo, sem limite e sem fim.
— Christopher Damien Auretta, 11 de setembro de 2022
*
Tenho pena de não ter conhecido melhor a Palmira. Senti sempre uma espécie de cumplicidade com ela, uma curiosidade que partilhei, creio, desde que ela foi minha professora de Introdução ao Pensamento Contemporâneo, quando estava então no meu primeiro ano da licenciatura em engenharia na FCT/UNL, há mais de 25 anos. Foi com ela que ganhei a semente da paixão pelos temas em que hoje trabalho, na medida em que me despertou para perspectivas críticas sobre o mundo em que habitamos, a partir do pensamento histórico (particularmente, numa reflexão sobre a ciência e a sociedade). Foi uma influência importante para mim, num caminho que encetei depois de ter acabado a licenciatura. Voltou a ser minha professora no programa doutoral na disciplina de Historiografia da Ciência e da Tecnologia. Por coincidência, na sequência de uma comunicação que dei no início deste mês, sugeriram-me uma referência que me era familiar, mas só quando consultei a minha base de dados bibliográfica percebi que me tinha sido dada pela Palmira, nessa disciplina. Para mim, a sua memória continua viva na sua obra, nessas referências e também na proximidade com que tratava as pessoas (discentes, ou colegas), da sua afabilidade e do seu sorriso.
—M. Luísa Sousa, 21 de Setembro de 2022