Manuais de Engenharia na Península Ibérica: um Estudo Comparativo (sécs. XVII-XVIII)
Equipa
Maria Paula Diogo (coordenadora do grupo português), em parceria com a Escola Tècnica Superior d'Enginyeria Industrial de Barcelona, Universitat Politècnica de Catalunya
Período
2009–2010
Financiamento
Programa de Acções Integradas Luso-Espanholas
Descrição
A afirmação de uma identidade profissional assenta largamente na constituição e sedimentação de um corpus de conhecimentos, cujo acesso e domínio pressupõem uma aprendizagem específica. Neste processo de criação de especialistas, que quase poderíamos designar de iniciático, a escola desempenha um papel fundamental na transmissão não só desse corpo de conhecimentos, mas também do próprio perfil profissional que se deseja implementar.
Nos séculos XVII e XVIII a engenharia militar europeia, que abarcava simultaneamente as esferas das artes militares e os trabalhos civis, teve como paradigmas os tratados de Antoine de Ville, do Conde de Pagan, de Belidor e, principalmente do Marquês de Vauban, cujas vasta obra e, particularmente, De l’Attaque et de la défense des places (1685) constitui referência incontornável.
Em Portugal, embora possamos traçar alguns elementos avulsos em períodos anteriores (Aula do Paço, Aula do Risco, Aula da Esfera), o ensino formal da engenharia militar começa em 1641, no reinado de D. João IV, com a criação da Aula de Artilharia e Esquadria, que, seis anos mais tarde, passará a Aula de Fortificação e Arquitectura Militar. Luís Serrão Pimentel, então Cosmógrafo-Mor do reino, homem com formação em matemática pelo colégio jesuíta de Santo Antão, escreveu, para uso dos seus alunos, a obra Methodo Lusitano de desenhar as fortificações das praças regulares e irregulares, obra editada postumamente pelos seus filhos, em 1680.
Em 1728-29, escrita por Manuel de Azevedo Fortes, é editada a obra crucial da engenharia militar portuguesa deste período, O Engenheiro Português. Azevedo Fortes, que virá a assumir o cargo de Engenheiro-Mor do Reino, ensina na Academia Militar (que sucedera à Aula de Fortificação e Arquitectura Militar) entre, pelo menos, 1686 e 1703, escreve a sua obra com propósitos explicitamente didácticos, “não (…) para se dar ao publico (…) [mas] para servir de Methodo aos Praticantes da Academia Militar” (Manuel d Azevedo Fortes, O Engenheiro Português. Tomo Primeiro, Prólogo ao Leitor), propondo-se sistematizar os conhecimentos mais relevantes para o métier de engenheiro, na óptica do que mais moderno se fazia ao tempo. Paralelamente a esta obra, Manuel de Azevedo Fortes escreve um conjunto de outras obras na área da engenharia militar que completam a sua visão pedagógica.
É ainda comum a ideia de que os chamados “países periféricos” se comportam como receptores passivos das ideias e práticas científicas e técnicas dos denominados “centros”. Os estudos mais recentes nas áreas da História da Ciência e da História da Tecnologia mostram, contudo, uma realidade bem diferente, em que o conceito tradicional de transmissão é substituído pelo de apropriação, indicando, pois, uma postura muito mais activa por parte das comunidades de cientistas e tecnólogos das periferias.
Este projecto insere-se, precisamente, neste contexto conceptual. Como atrás indicámos, é nosso objectivo analisar as obras usadas na formação dos engenheiros portugueses entre 1680 e meados do século XX, para compreendermos como se processa, por um lado, a apropriação das obras de referência europeias e, por outro, a integração de contribuições genuinamente locais.
Este estudo será conduzido no âmbito de uma grelha comparativa com o caso espanhol e, particularmente, com Barcelona, em que a influência francesa é, igualmente, muito forte. Pretendemos avaliar, sobretudo, o que é idêntico ao cânone e o seu grau de actualização, e o que é específico aos autores de cada país.