CIUHCT ganha projecto no Concurso Projetos FCT 2022
29 julho 2022
A FCT comunicou os resultados do Concurso de Projetos de IC&DT em todos os domínios científicos de 2022.
Maria Elvira Callapez é a Investigadora Responsável pelo projecto vencedor MoPRA — Metamorfoses dos plásticos – a realidade e as múltiplas abordagens a um material, com a referência de candidatura 2022.05086.PTDC. Robert Friedel (University of Maryland) é o Co-Investigador Responsável. O projecto ficou em 1º lugar nos projectos de filosofia financiados, com a classificação de 9,00 em todos os parâmetros.
Resumo
Este projeto interdisciplinar sobre os plásticos pretende abordar as suas várias dimensões, contribuindo para melhor compreensão das tensões e contradições que têm colocado a produtores, consumidores, conservadores, ambientalistas, historiadores e legisladores. Como uma classe de materiais indispensáveis à vida moderna, os plásticos apresentam desafios específicos à nossa compreensão. No centro desses desafios está a tensão entre os plásticos como principais agentes de comodidade, economia e segurança e os danos ao meio ambiente devido à sua persistência e omnipresença. Os plásticos são permanentes e efémeros e esse paradoxo é a fonte dos problemas sociais, económicos e políticos que os plásticos colocam. O projeto abordará esse paradoxo de forma a chamar a atenção académica e do público para os problemas e as promessas que este material encerra. Ele visa agregar valor em diferentes disciplinas, como história da ciência e da tecnologia, antropologia, museologia, arqueologia industrial, conservação, literatura, estudos de design, história ambiental, química e engenharia, combinando as respetivas abordagens metodológicas com a cultura material e a história do consumismo. O termo "plástico" abrange uma ampla variedade de substâncias, com uma multiplicidade de propriedades, usos, qualidades, custo e capacidades. O projeto revelará como essa vasta gama surgiu e como as qualidades técnicas e económicas dos materiais foram moldadas por dinâmicas políticas, sociais e culturais. Diferentes atores -inventores, empreendedores, financeiros, reguladores, formadores de opinião, publicitários e consumidores - agindo de várias maneiras ao longo dos anos, estabeleceram o lugar que os plásticos ocupam no mundo moderno. A complexidade das questões que envolvem os plásticos e a necessidade de uma abordagem mais subtil e historicamente informada, podem ser ilustradas pelo amplo debate sobre o seu impacto no meio ambiente. Os primeiros plásticos artificiais, os nitratos de celulose, foram introduzidos na década de 1870 em resposta às limitações dos materiais naturais e, até certo ponto, a ameaças à natureza. A sua utilização mais importante era imitar o marfim, evitando o abate insustentável de elefantes africanos para obter o marfim usado no fabrico de múltiplos artigos, desde brinquedos, artigos de toalete e bolas de bilhar. A carapaça de tartarugas foi outra imitação inicial, novamente para evitar a rápida diminuição das populações de tartarugas-de-pente. Durante grande parte do seu primeiro meio século de vida, a substituição de objetos de origem animal por objetos de plástico visou consistentemente salvar espécies e evitar roturas de fornecimento. Com o aumento do consumo geral no século XX, a substituição de materiais mais escassos, mais caros ou mais difíceis de trabalhar, por plástico, tornou-se central para as economias industriais. A química e a tecnologia dos polímeros permitiram o uso de fontes baratas, como carvão e petróleo, para reduzir a procura, desde couro, madeiras exóticas a minerais escassos. Não há como contabilizar as enormes vantagens ambientais fornecidas pelos plásticos. Porém, os primeiros plásticos trouxeram problemas tanto no seu fabrico como no consumo. Os plásticos de nitrato de celulose eram assaz inflamáveis e causaram acidentes industriais que custaram vidas e danos ao processo de fabrico e no uso. Mais tarde, outros plásticos expuseram os trabalhadores a produtos químicos nocivos ou processos perigosos, ou causaram poluição em zonas do ambiente natural que não estavam preparadas para absorver resíduos ou enfrentar novos produtos químicos. Como em todas as tecnologias, a contabilização dos plásticos –isto é, o balanço de benefícios e custos, o equilíbrio entre a sua utilidade e os perigos que acarretam, a compreensão de vantagens e interesses conflituantes - tem sido difícil e repleta de incertezas e angústias. Este projeto visa desenvolver ferramentas que permitam informar essa contabilização, usando as lições do passado e a presente capacidade de perceber e explicar essas lições. A sua abordagem interdisciplinar permitirá criar essas ferramentas e torná-las acessíveis a todo o universo de potenciais interessados. Os plásticos representam um paradoxo ambiental interessante, que torna necessária uma leitura equilibrada e historicamente informada. Parte do problema está nas categorias usadas para os discutir, já que são muitas vezes ocultadas por termos como "degradação ambiental", "poluição" e, mesmo, "plástico", se usado pejorativamente. Há também ambiguidade no próprio conceito de “degradação” – devendo ser evitada quando se pretende preservar objetos históricos, mas que pode, igualmente, ser desejável e integrada no projeto de embalagens e outros produtos descartáveis. A própria noção de "descartável" se torna ambígua, se for sujeita a um exame mais profundo. O desafio e a promessa deste projeto está em poder criar linguagens e categorias que permitam lidar com sucesso com essas ambiguidades.