Debate "'Fomos vítimas da radioactividade': mineiros do urânio e ciência nuclear em Portugal"
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Edifício C8, Anfiteatro 8.2.30
11 junho 2019 · 17h30
Sobre esta sessão
As praças, as ruas, os tascos e os centros sociais são lugares onde se debate e se resiste quotidianamente aa políticas tecnológicas em diálogo ou em confrontação com a academia, onde se contesta, cria e regula conhecimento e reconhecimento científico, onde se põe em causa a autoridade científica juntamente com a autoridade política, onde se criticam uns peritos com a palavra de outros peritos ou com a palavra das experiências próprias.
O ciclo “Ciência, tecnologia e medicina nas praças”, iniciado em Barcelona em 2012 e celebrado em Lisboa este ano pela primeira vez- tem como objectivo criar outras “praças” de reflexão partilhada entre saberes subalternos e activismos académicos. Neste sentido, o objectivo não é contrapor os discursos dos académicos com os dos activistas, mas reforçar o diálogo, a solidariedade e a afinidade entre diferentes pessoas -sejam peritas ou leigas, profanas-leigas ou académicas- que põem a ciência no centro do seu olhar crítico.
As sessões anteriores têm tratado sobre a normalização dicotómica de género e a transexualidade (2012), a circulação global do arame farpado e o anti-especismo (2014), as resistências directas aos alimentos transgénicos (2015), e a história do movimento anti-nuclear ibérico (2018). Nesta nova sessão, pretende continuar- se o debate sobre as tecnologias nucleares, desta vez colocando o foco num aspecto do ciclo da energia nuclear menos visível nas ágoras públicas: a mineração de urânio. Ainda que historiadoras como Gabrielle Hecht tenham centrado o seu trabalho recente nos riscos quotidianos e “banais” da extração de minérios radioactivos em países africanos como Namibia (em contraposição aos riscos “excepcionais” associados ao armamento e aos acidentes nucleares), esta questão já tinha sido largamente debatida, com argumentos médicos e científicos, durante as lutas anti-nucleares dos anos 1970 e 1980 na Península Ibérica (por exemplo, uma rede ibérica de oposição à mineração de urânio foi criada logo a seguir ao fim dos regimes ditatoriais). Se bem em Espanha muitos projectos foram interrompidos, em Portugal (e, especialmente, em Urgeiriça, Viseu) as minas de urânio continuaram a ser exploradas como o tinham sido durante décadas, aumentando em graus dramáticos a toxicidade acumulada dos espaços laborais, domésticos e ambientais. Só recentemente, depois das mobilizações e reclamações dos trabalhadores, ex-trabalhadores e das suas famílias (através principalmente das associações AZU e ATMU), uma lei (10/2016) publicada no Diário da República estabeleceu “o direito a uma compensação por morte emergente de doença profissional dos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio”. Além disso, têm sido desenvolvidas políticas de “reparação técnica” e (parcial) recuperação ambiental das aldeias e bacias associadas. Uma dor irremediável. Uma dívida de milhões de euros. Uma herança de milhares de anos.
Qual foi o papel que teve a ciência nas lutas dos trabalhadores das minas e na configuração da legislação? E qual foi o papel destas lutas na mobilização de cientistas, médicos e engenheiros na visibilização das consequências da invisível radioactividade?
Como as comunidades mineiras reforçaram ou puseram em causa a “verdade científica” com a verdade que levavam na própria pele e memória? Como utilizaram os relatórios técnicos e dados científicos? Que apoios e tensões encontraram em instituições científicas ou membros de organismos estatais como a JEN, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, o Laboratório de Física e Engenharia Nuclear, o Laboratório Oncológico de Coimbra, o Gabinete de Proteção Radiológica da ENU, os postos médicos locais...? Qual foi o papel da associação ATMU e da sua Comissão Técnica Científica de Saúde? E a sua relação com a Comissão Técnica do Programa de Intervenção de Saúde?
A sessão reunirá ex-trabalhadores de urânio que têm lutado pelos reconhecimentos científico e legal das consequências na saúde e ambientais da radioactividade (uma luta que começou muitos anos atrás e chegou aos parlamentos europeu e português), e historiadores do ambiente e da ciência que têm estudado conflitos mineiros e políticas nucleares na Península Ibérica.
A sessão é organizada pelo Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, através dos seus investigadores Jaume Valentines-Álvarez (UNL) e Jaume Sastre-Juan (UL), e a Sociedade Catalã de História da Ciência e Tecnologia.