2024 #2, M. Luísa Sousa (CIUHCT, DCSA FCT NOVA), "Como um Laboratório de História sobre mobilidade urbana ajuda a desmistificar as narrativas tecnológicas. O caso do planeamento urbano lisboeta no século XX e a experiência do projecto Hi-BicLab"
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ed. C8, sala 8.2.03
21 março 2024 · 18h00
Resumo
No início do século XX, os urbanistas e outros especialistas propuseram abordar o que consideravam uma crise urbana com medidas de expansão urbana que contribuíram para futuras crises de mobilidade e ordenamento do território baseadas na previsão e promoção do aumento da utilização de automóveis particulares (Sousa, 2022, Schipper e outros 2020, Norton 2020, Oldenziel et al. 2020). Esta apresentação irá discutir o planeamento urbano de Lisboa após o impulso dado pelo ministro das Obras Públicas e Comunicações Duarte Pacheco no início da década de 1930 e o trabalho desenvolvido para Lisboa pelos arquitectos-urbanistas Alfred Agache e Étienne de Gröer. Apresentará também os resultados desta reflexão no projeto de investigação “Hi-BicLab - Laboratório de História das Mobilidades Urbanas Sustentáveis: Políticas Cicláveis de Lisboa”.
Em 1933, o ministro Duarte Pacheco encarregou Agache de elaborar um plano de urbanização da zona que se designaria como “Costa do Sol”. Seguindo a sugestão de Agache de estudar o problema de um “ângulo mais amplo”, a Costa do Sol tornou-se uma das extensões do novo plano de urbanização de Lisboa, estudado a partir de 1938 por um dos colaboradores de Agache, Etienne de Gröer. Tanto Agache como De Gröer, membros da Sociedade Francesa de Urbanistas e proponentes do conceito de cidade-jardim (com adaptações), partilharam ideias presentes na retórica anti-urbana da ditadura de direita do Estado Novo português (1933-74), para a qual trabalharam, nomeadamente a necessidade de combater as densidades populacionais elevadas através da expansão urbana baseada na mobilidade rodoviária motorizada. As prescrições de Agache e De Gröer foram normativas e carregavam consigo os futuros usos sociais traduzidos no traçado da cidade, contribuindo para outras formas de injustiça na mobilidade quanto à cidade acessível e limpa (sem poluição atmosférica ou sonora) e quanto ao direito ao espaço público (Sousa, 2022).
O projeto de investigação Hi-BicLab trouxe novos insights sobre o que tem sido tornado invisível neste processo de se “vender” a mobilidade automóvel na capital portuguesa, não apenas em termos de opções sobre que dados considerar no planeamento urbano, estatísticas e nos discursos de outras fontes, mas também em termos do que foi preservado nos arquivos e do que foi construído na historiografia e nas percepções e imaginários sobre o passado de outras pessoas.
Nota biográfica
M. Luísa Sousa é historiadora da tecnologia e da mobilidade e investigadora do Centro Interuniversitário de História da Ciência e da Tecnologia (CIUHCT), e professora auxiliar convidada do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa. Tem trabalhado sobre como a construção do sistema sociotécnico de mobilidade automóvel moldou as práticas de mobilidade e os usos do espaço público, transformando ruas em vias de atravessamento de tráfego. O seu doutoramento em História, Filosofia e Património da Ciência e Tecnologia, e em História Cultural foi concluído em co-tutela (FCT NOVA e Universidade Sorbonne Nouvelle, 2013) com as mais altas distinções - aprovado, por unanimidade e très honorable avec felicitations -, e premiado com a menção especial no prémio 2017 DHST Prize for Young Scholars atribuído pela International Union of the History and Philosophy of Science and Technology, e foi publicado em 2016 com o apoio da Infraestruturas de Portugal e da Ordem dos Engenheiros. O seu trabalho também foi reconhecido ao ser selecionada como 2022 Early Career Scholar Plenary Lecturer pela European Society for the History of Science; em 2017, com um prémio pela APHES (para um artigo de investigação publicado em 2016 no Journal of Transport History); em 2008, pela International Association for the History of Transport, Traffic and Mobility (T2M) (com Álvaro Ferreira da Silva), com o prémio Dr Cornelius Lely 2008, atribuído ao melhor artigo submetido à conferência que relacionasse a história com problemas de política e planeamento actuais (uma versão deste artigo foi publicada em 2019 na revista Technology and Culture); foi International Scholar da Society for the History of Technology (2005/2006). Foi IR do projeto exploratório Hi-BicLab, sobre a história da mobilidade urbana em Lisboa, para o qual recebeu recentemente financiamento da FCT (EXPL/FER-HFC/0847/2021) (Jan.2022-Jan.2024). Publicou e apresentou artigos em mais de sessenta conferências internacionais (com arbitragem científica), na intersecção da história da tecnologia, cultura material, história da mobilidade, história urbana e história colonial. Possui experiência em atividades de docência, de supervisão e editoriais; como editora-chefe da HoST – Journal of History of Science and Technology (2017-2020) e membro de comissões editoriais de revistas científicas (HoST, Technology and Culture, TST) e na co-coordenação de trabalhos de síntese historiográfica (co-editora do 4.º volume editado pelo CIUHCT Ciência, Tecnologia e Medicina na Construção de Portugal. Inovação e contestação, século XX). Integra as principais redes académicas nacionais e internacionais das áreas nas quais o seu trabalho se inscreve (SHOT, ESHS, T2M, ICOHTEC, Tensions of Europe, STEP , APHES), tendo sido membro de diferentes comissões científicas (tanto em comités executivos, como em comités de programas científicos de conferências, nomeadamente em T2M, ICOHTEC e Tensions of Europe).
luisacoelhosousa@fct.unl.pt