Soundscape Campus 2019
Faculdade de Ciências e Tecnologia/NOVA
27 março até 12 abril 2019
Apresentação
O Soundscape Campus regressa para uma segunda edição, com o som como centro de criação de um espaço de reflexão e hibridização entre História da Ciência e da Tecnologia, Ciência, Ecologia e Arte, operando no contexto mais global das interrogações sobre a agência humana na natureza levantadas pelo conceito de Antropocénico.
Sob o tema “Som, Corpo e Ciência”, as actividades do Soundscape Campus #2 (2019) serão dedicadas ao papel, frequentemente negligenciado, do som e da escuta na produção de conhecimento.
O programa do Campus consiste em vários dias, distribuídos ao longo de duas semanas, dedicados à exploração sónica do campus da FCT. As actividades práticas incluem um workshop de gravações de campo, passeios sonoros, discussão teórica sobre ecologia acústica e produção colectiva de composições sonoras que materializam paisagens ou narrativas sonoras evocativas da experiência vivida e do tema em debate. Os participantes aprenderão sobre field recordings como prática (história, equipamentos e técnicas), exercícios de escuta e técnicas de edição áudio.
O Campus terminará com um dia de colóquio interdisciplinar, com comunicações dedicadas ao papel epistemológico do som. Os convidados incluem artistas, historiadores, sociólogos e cientistas cuja investigação reflecte a variedade de formas pelas quais o som pode ser encarado como forma de conhecer o mundo.
Eppure Suonna! — “Ver para crer” é a norma que orienta as práticas do mundo científico; mas, ainda assim, o mundo soa.
A história do som enquanto ferramenta epistemológica na ciência e desenvolvimento de tecnologia modernas questiona a construção de uma objectividade científica centrada apenas na dimensão visual. Na tradição da narrativa científica, o corpo e as práticas corporais dos investigadores são considerados fontes de subjectividade e, por tal são sistematicamente menorizados ou rasurados. Assim, na construção cartesiana da ciência, existe uma hierarquia dos sentidos: a visão, associada à mente, é o sentido privilegiado para acedermos a, e fazermos sentido do, real — o sentido objectivo, portanto. Ao corpo são atribuídos os outros sentidos, cujas percepções dificilmente podem ser replicadas através de gráficos, tabelas ou imagens, e como tal estão sujeitos a ser catalogadas como interpretações subjectivas. Pretende-se, pois, abrir portas para encararmos o aparato sensorial do corpo humano como um todo envolvido nas actividades analíticas e produtivas de múltiplos campos científicos.
Exemplos da história da ciência e da tecnologia—como o estetoscópio, o contador Geiger, a audificação de sismos, a bioacústica, o microscópio de sonda, entre outros—demonstram que, tanto nos laboratórios como nos campos a céu aberto, escutar os fenómenos é muitas vezes essencial para os conhecer.
Um problema semelhante com o corpo assola a prática das gravações de campo, conhecidas por field recordings.
As field recordings têm uma vasta gama de aplicações que vão desde as gravações de campo em bioacústica à recolha de amostras sonoras para serem usadas em composições artísticas. Em qualquer dos casos, a presença audível do corpo de quem grava ou de outros elementos humanos no registo fonográfico é um problema sempre presente, estando diretamente relacionado com o grau de objectividade da representação. No caso das abordagens naturalistas, o registo fonográfico é apresentado como um meio para documentar o mundo e transmitir objectivamente a realidade e a natureza. Neste sentido, a presença de humanos ou actividades humanas no som recolhido é encarada como um intruso, manchando um registo prístino.
Outra abordagem possível é assumirmos que qualquer tipo de captação de som é necessariamente subjectiva, pois reflecte uma série de decisões individuais, desde a escolha e posicionamento de microfones, até à edição das gravações. Neste caso, usar a voz ou os sons do corpo em movimento, ou mesmo percutir objectos para desses obter uma resposta acústica na captação, pode revelar-se um elemento fundamental na composição de uma peça sonora. A agência artística torna-se explícita, afirmando o humano como parte integral do contexto ou ecologia do espaço/momento.
Tanto na ciência como na prática de field recordings, o som ou o registo sónico pode ocupar diferentes estatutos no que toca à sua capacidade para aceder ou fazer sentido do real. No Soundscape Campus 2019, queremos contrapor os dois mundos através do debate e da criação de obras artísticas que nos ajudem a problematizar e reflectir sobre o que é uma experiência sensorial válida, o que entendemos por cultura e natureza, e as nossas assunções sobre objectividade e subjectividade.
Algumas das questões que procuraremos abordar serão:
- Em que contextos pode o som tornar-se fundamental na produção de conhecimento científico? Que exemplos podemos apresentar?
- Como é que o som problematiza a figura do observador neutro, que existe fora do fenómeno?
- Como é que diferentes ramos de investigação escutam os fenómenos, e como lidam com a comunicação das suas descobertas?
- Como é que trabalhos recentes no campo dos Estudos de Som problematizam, cada vez mais, a separação dos sentidos?
- Como é que som enquanto ferramenta epistemológica, bem como a problematização do registo fonográfico enquanto representação objectiva do real, nos informa sobre diferentes filosofias e cosmovisões da cultura e natureza?
- Como é que o som legitima outras formas de conhecer — como sejam epistemologias indígenas — fora do paradigma da ciência ocidental?
- Como é que registar pelo som nos ajuda a conhecer as dinâmicas que se desenrolam nos espaços urbanos e ecológicos? Será possível ter no registo fonográfico uma representação objectiva do real?
- No contexto das diferentes crises eco-sociais que assolam o presente, como é que escutar enquanto forma de reflectirmos ou agirmos sobre o real, pode fomentar um novo eco-cosmopolitanismo? Como é que diferentes abordagens fonográficas complementam ou entram em conflito com estes esforços?
Inscrições
Participação gratuita em todas as actividades, mas de inscrição obrigatória. Realize a sua inscrição no link abaixo.
https://goo.gl/forms/HkmieeCXhAhiaMJu2
Programa
Cóloquio
12 Abril 2019, no Auditório da Biblioteca
Programa
11h00 — Apresentação
11h30 — Keynote: Listening to the Dynamics of Scientific Practice and Technological Development
, por Alexandra Supper (Univ. Maastricht)
12h30 — FCT Soundwalk
13h00 — Almoço
14h00 — The Need to Document and Preserve Natural Soundscape Recordings as Acoustic Memories, por Paulo Marques (ISPA, MUHNAC)
14h45 — Field recording(s): presence, place and process, por Rui Chaves
15h15 — Coffee break
15h30 — Sound - Vibration - Imagination, Comunicação com performance musical por Jonas Runa (FCSH NOVA / Univ. Lusófona)
16h30 — Mesa Redonda Eppure Suona, moderada por Raquel Castro, com Alexandra Supper, Jonas Runa e Paulo Marques
Palestrantes do colóquio
Alexandra Supper (Univ. de Maastricht, HL)
Sinopse da apresentação
In recent years, the sounds of scientific practice and technological development have received increased attention in the field of science and technology studies (STS). Historians and sociologists of science and technology have become attuned to the noises that reverberate within the walls of laboratories, the voices that populate the hallways of academic conferences and the hums that accompany the workings of machines.
In this talk, I build upon my research on sonification (as the practice of transforming scientific data into sound is known) and that of my colleagues in the Sonic Skills — Listening for Knowledge in Science, Medicine, and Engineering (1920—Present) project, to discuss how sound can help us to understand the dynamics of scientific and technological expertise. In doing so, I zoom in on how professional communities have developed specific bodily and sensory practices that allow them to generate knowledge through listening – and how in doing so, they had to negotiate the boundaries of what is accepted as legitimate knowledge. Taking sonification and sonic skills as a starting point, I will reflect on how the study of sound has become closely intertwined with some of the core concerns of STS, including issues of materiality, embodiment, tacit knowledge and epistemic authority.
Bio
Alexandra Supper é professora assistente no Departamento de Estudos de Tecnologia e Sociedade, da Universidade de Maastricht. A sua investigação debruça-se sobre a intersecção entre os estudos de ciência e tecnologia (STS) e os estudos dos sentidos. A sua investigação de doutoramento incidiu sobre a prática de sonificação, i.e., a apresentação auditória de dados científicos. A sua tese de doutoramento 'Lobbying for the Ear: The Public Fascination with and Academic Legitimacy of the Sonification of Scientific Data' analisa o surgimento da comunidade científica/artística que se dedica à sonificação e os desafios dessa comunidade em ter a escuta de dados científicos como uma abordagem cientifica válida. Fez parte da equipa liderada por Karin Bijsterveld no projecto Sonic Skills, dedicado a estudar o papel do som e da escuta no desenvolvimento da ciência, tecnologia e medicina, desde os anos 1920 até ao presente.
Paulo Marques (ISPA / MUHNAC)
Sinopse da Apresentação
Soundscapes and other monitoring recordings register the acoustical activities in a locality portraying its acoustic dimension, depicting human and animal presence. Soundscapes recordings in natural areas, including urban sites, can be used to describe biodiversity, by documenting their presence, and characterize the environment. These recordings are thus primary sources of information, and securing its conservation may guarantee the acoustic memory of habitats and ecosystems. These recordings have a potential application in future recreational, educational or research activities. Soundscape recordings, and it associated information, if organized in a long-term data-curation framework, such as sound archives or collections can ensure its preservation and maintain its value.
Bio
Biólogo, doutoramento em Biologia (Ecologia e Biossistemática). Atualmente coordena um projeto internacional de conservação da águia-imperial-ibérica em Portugal na LPN (ONG de conservação) financiado pelo Programa LIFE da União Europeia. Curador externo do Arquivo de Sons Naturais do Museu Nacional de História Natural e Ciência (UL) em Lisboa e membro do centro de investigação MARE-ISPA. A sua carreira de investigação tem se concentrado na comunicação animal, migração das aves, bioacústica e, recentemente, em conservação da natureza.
Rui Chaves
Sinopse
The practice of field recording has particular relevance in sound art, with influences from experimental/contemporary music and intersections with biology, acoustic ecology, ethnomusicology and cinema. Nonetheless, there are questions in regards to how practitioners in this field – mediate the recording process, the recorded place and their presence (authorial and physical) – existing a predominant view that opts for the non-interference of these elements when presenting field recordings. In this regard, this presentation will describe artworks that reveal the methodological potency of field recording in creating a dialogue between place, listener and artist/field recorder.
Bio
Rui Chaves (Santiago do Cacém, 1983) é um artista sonoro e performer. Possui um doutoramento pela SARC (Queen’s University Belfast, 2013) financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. A sua investigação e prática foca-se na discussão da presença — tanto física como autorial — no processo de criar arte sonora, sendo informado pelas questões que se colocam actualmente sobre os temas de corpo, lugar, texto e tecnologia. Este quadro conceptual reflecte uma contínua prática interdisciplinar de arte sónica: intervenções site-specific; video arte; instalação mixed-media; e projectos de arte com comunidades. Actualmente, foca-se no desenvolvimento de uma historiografia pós-colonial que descreve as práticas sonoras contemporâneas no Sul Global. Entre 2015-2018, trabalhou como investigador de pós-doutoramento no NuSom: Centro de Investigação em Sonologia (Universidade de São Paulo), onde desenvolveu um arquivo online de Artes Sonoras Brazileiras (www.nendu.net) e actualmente co-edita com Fernando Iazzetta um volume sobre este tópico, Making it Heard: A History of Brazilian sound art a publicar em 2019 pela Bloomsbury Academic.
Jonas Runa
Sinopse
Sound has immense potential for scientific and artistic research as it reveals deep connections to both the fundamental physics and the human psyche. In this conference, Jonas Runa will discuss the relations between sound as a scientific entity and sound as perception, (2) the consequences the autonomy of noise, and (3) the boundaries between computability and creativity in electronic music, from the point of view of artistic research *. The three problems are clues that allow not only to reach the interpretation of consciousness as the music of nature but also to outline the concept of Irrealized Musical Energy as developed in collaboration with musicologist Jorge Lima Barreto.
* Artistic research: interdisciplinary research, encompassing science, technique, theory and / or technology, based on the author's own artistic creation; music as art-science.
Bio
Artista, Compositor e Investigador. Doutorado em Ciência e Tecnologia das Artes, Professor Universitário de Ciência e Tecnologia do Som, na Universidade Lusófona. As suas obras foram apresentadas no Museo Guggenheim Bilbao, nas 55.ª e 56.ª Bienais de Veneza, no 798 Art District (Pequim), no ARoS Aarhus Kunstmuseum, na Galerie Scheffel (Frankfurt), na Logos Foundation (Gent), no Museo de Arte Contemporáneo (Santiago do Chile), no Théâtre de la Ville (Paris), no Arnold Schoenberg Hall (Haia), na Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa) e na Casa da Música (Porto), entre outros. Com Jorge Lima Barreto, criou o duo Zul Zelub, para piano e música eletrónica de arte.
Raquel Castro
Investigadora, realizadora e programadora cultural. Em 2003, produziu e co-realizou uma série de documentários sobre a memória oral de comunidades portuguesas. No âmbito desse projecto, viveu em várias regiões do país, recolhendo vozes, imagens, sons e desenhos de crianças. Começou a interessar-se pela identidade sonora dos locais por onde passava, o que a levou a escrever uma tese de mestrado sobre Ecologia Acústica para a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Realizou, a propósito dessa investigação, o documentário Soundwalkers, estreado em 2009 no festival Subtropics, em Miami e apresentado em diversos festivais e conferências sobre Som em vários locais do mundo. De entre os seus documentários, destaca ainda O Bairro e Leve Leve Non Caba Ué, vencedor do festival Ovarvídeo (2007). Doutorou-se em Comunicação e Artes pela Universidade Nova de Lisboa com a tese “Contributos para uma Análise da Paisagem Sonora: Som, Espaço e Identidade Acústica”. É directora e curadora do simpósio internacional Invisible Places e do festival de arte sonora Lisboa Soa.
Workshop Field Recordings
De forma a acomodar os horários de alunos da faculdade e de pessoas externas, as gravações de campo serão divididas em dois turnos com dois dias de gravações cada. Os dias 27 de Março e 3 de Abril são especialmente vocacionados para alunos da FCT. Os dias 6 e 7 de Abril para participantes externos. Contudo, os participantes são livres para decidir qual o turno que desejam frequentar, podendo mesmo frequentar ambos os turnos. Neste caso, usufruirão das diferentes actividades que estão planeadas.
1º Turno
- 27 de Março | 14h-19h – Field Recordings e Passeios Sonoros no Campus de Caparica. Exploração do campus e visitas a laboratórios. Orientado por Ivo Louro
- 3 de Abril | 14h-19h – Continuação de Field Recordings e Passeios Sonoros no Campus de Caparica. Orientado por Ivo Louro
2º Turno
- 06 de Abril | 10h30-17h — Workshop CSF Collected sound fragments for an imaginary landscape – Field Recordings & Passeios Sonoros. Orientado por Nils Meisel e Pedro André
- 07 Abril | 10h30-17h — Workshop CSF — Composição de paisagens sonoras a partir das field recordings e com recurso a técnicas de edição áudio. Orientado por Nils Meisel e Pedro André
Formadores Workshop CSF
Nils Meisel
Mestrado em sound design pela universidade de Edimburgo, licenciado em som e imagem pela universidade católica do Porto. Nils tem trabalhado na área da instalação sonora, teatro, performance e cinema em Portugal e na Alemanha. Nos últimos anos tem desenvolvido vários projetos musicais tanto a solo como em parceria na área da música drone (Preto Marfim), eletrónica improvisada (Nils Meisel) e field recordings (Collected Sound Fragments).
Pedro André
Artista sonoro e visual. Trabalha entre Porto e Berlim. É Co-fundador das oficinas de som – CSF. Co-fundador e membro dos coletivos Piso e Marvelous Tone. Trabalhou como estagiário no espaço dedicado à música experimental e artes sonoras Ausland em 2010, e foi co-fundador e membro activo até 2014 do espaço cultural Altes Finanzamt em Berlim. Na área da música e artes sonoras, colaborou entre outros com Jonathan Saldanha, Ignaz Schick, Gil Delindro, Nils Meisel ou Pedro Augusto. Nas artes visuais e perfomativas com Catarina Miranda, Francisco Queimadela & Mariana Caló, Lorenzo Sandoval, Pedro Neves & Mariana Silva, Sara Pereira, ou a artista Regina de Miguel.
Local
Faculdade de Ciências e Tecnologia / NOVA Lisboa, no Monte de Caparica. Veja como chegar.
Contactos
Ivo Louro: ivomlouro@fct.unl.pt
Organização
- Ivo Louro (Coordenação) (CIUHCT)
- André Pereira (CIUHCT)
- Hugo Almeida (CIUHCT)
- Maria Paula Diogo (CIUHCT)
Apoios
- ANTHROPOLANDS - Engineering the Anthropocene: colonial science, technology and medicine and the changing of the African landscape.
- FCT NOVA
- Fundação para a Ciência e Tecnologia