Bruno Navarro (1977-2021)
31 janeiro 2021
É com profunda tristeza que o CIUHCT noticia a morte de Bruno Navarro, presidente da Fundação Côa Parque e membro do CIUHCT. Faleceu no dia 30 de janeiro de 2021, aos 44 anos de idade, devido a "doença súbita", segundo a agência Lusa.
Nascido em Coimbra em 1977, Bruno José Navarro Marçal licenciou-se em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde fez também mestrado em História Contemporânea. Doutorou-se, depois, pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, com uma tese sobre o contributo da engenharia portuguesa para a construção do império colonial no final do século XIX e primeiras do século XX. Além de investigador no CIUHCT e e membro colaborador do Centro de História da Universidade de Lisboa, era também professor convidado no Instituto Superior de Ciências Educativas.
Bruno Navarro era, desde junho de 2017 e após nomeação do Ministério da Cultura, presidente do Conselho Diretivo da Fundação Côa Parque, a entidade que gere o Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa e membro da Direcção da Ciência Viva.
Foi um historiador e investigador de reconhecido mérito do nosso centro de investigação, com quem colaborou desde sempre, com empenho, dedicação e generosidade. Neste momento de consternação e de pesar, o CIUHCT apresenta sentidas condolências à sua família, aos amigos e colegas mais próximos.
Em baixo, o testemunho de Maria Paula Diogo em homenagem a Bruno Navarro.
A “Leveza do Ser”: em memória de Bruno Navarro
O Bruno era uma pessoa leve. Foi sempre assim que pensei nele. Era leve porque tinha uma boa disposição envolvente, um humor fino e certeiro e uma afabilidade infinita; era leve porque tinha uma ousadia divertida, que o caracterizava como pessoa e como investigador; era leve porque nunca via os obstáculos como impedimentos; era leve porque tinha paixão pelo que fazia.
Terão sido estas características que me levaram a escolhê-lo como bolseiro de um projecto sobre ciência, tecnologia e império que eu dirigia em 2000. Por empatia de temperamentos e de interesses de investigação, nunca mais, ao longo destes 21 anos, deixámos de colaborar.
O Bruno era um historiador de elevadíssima qualidade que dominava na perfeição todos os utensílios do métier, das metodologias aos conceitos, das grelhas teóricas às fontes; fez o mestrado em história política contemporânea, com uma tese premiada, mas escolheu ser historiador da tecnologia. E assim se apresentava de forma firme e, mais uma vez, leve, como se nem considerasse ou pudesse ser outra coisa.
Foi esta convicção que o levou a, independentemente dos cargos que ocupava, ser sempre um CIUHCTer. Nos mais recentes cargos que desempenhou, como Presidente da Fundação Foz Côa e na Direção da Ciência Viva, o convite para, com o CIUHCT, “fazermos qualquer coisa gira” surgiu cedo, de forma entusiasmada e com aquele sorriso algo travesso que antecipava o prazer da colaboração. E fizemos.
Mas, para os que com o Bruno conviveram mais de perto, são as pequenas histórias e as cumplicidades que construiu com cada um de nós que permanecerão mais vivas na nossa memória: desafiá-lo (sem sucesso) para cortar para metade as notas de rodapé da tese, vê-lo conseguir negociar (com sucesso) uma rodada de vodka em São Petersburgo com o dono do restaurante sem partilharem uma língua comum ou olharmos silenciosamente para a paisagem do Côa da janela do seu gabinete após uma animada discussão sobre o Antropocénico.
O CIUHCT e a comunidade de história da ciência e da tecnologia perderam um excelente investigador e um colega leal; nós, que com o Bruno privámos, perdemos um querido amigo.
Maria Paula Diogo, orientadora de doutoramento e pós-doutoramento de Bruno Navarro.
Outros testemunhos:
A última vez que estive com o Bruno foi quando recebeu um grupo de membros do projecto Anthropolands para a sua reunião de encerramento no Museu de Foz Coa em finais de 2019. Recebeu-nos "principescamente”. Era não só um membro dedicado do CIUHCT como investigador deste projecto científico e estava, agora, a organizar o Anthropocene Summit 2021. Inteligente, perspicaz, descomplicado e sempre bem disposto era alguém que todos queriam ter como colaborador e amigo. Viveu intensamente mas viveu por demasiado pouco tempo. Não tenho palavras para expressar o que sinto neste momento tão triste.
Ana Simões
Em cada missão era um momento de "História de Procedimentos Administrativos". Na janela com vista sobre o Douro Superior disse-lhe - agora entendo a demora no envio dos boarding passes! - Riu como um menino traquino... era assim o meu investigador.
Cristina Amieiro
Conheci o Bruno há pouco menos de dez anos, na Biblioteca Nacional. Eu estava no último ano do doutoramento e, se bem me lembro, ele estava a iniciar o seu percurso doutoral. Uma vez que tínhamos interesses de investigação comuns (a história dos caminhos de ferro), cedo começamos a trabalhar juntos e ao mesmo tempo a construir uma amizade. Publicamos vários artigos, um livro (outro estava em preparação) e participamos em diversos congressos como coautores ou membros do mesmo painel, de Lisboa ao Rio de Janeiro, passando por Montreal, Filadélfia, Dakar, Katowice ou Saint Étienne. De todos, guardo na memória aquele episódio, aquela cumplicidade, aquela piada que recordarei sempre com saudade. Em brincadeira, dizia-lhe que já tinha viajado mais com ele do que com a minha companheira. E ele ria-se.
É assim que me vou recordar do Bruno. Um historiador talentoso, uma pessoa afável, de riso fácil e, acima de tudo, um bom amigo.
A qualidade do trabalho do Bruno enquanto historiador está bem patente nos prémios que conquistou com a sua tese de mestrado e nos diversos trabalhos que publicou em revistas, coletâneas e dicionários; o seu carácter metódico e a sua minúcia refletem-se nas 1,493 notas de rodapé da sua dissertação de doutoramento (cada uma com várias linhas e algumas até diversos parágrafos). O amor do Bruno por notas de rodapé sempre foi um bom motivo para arrancar dele aquela gargalhada que todos conhecíamos.
O Bruno era uma daquelas pessoas que vicejava em ambientes de confraternização social. Com o seu à-vontade, a sua verve, o seu comentário acertado, integrava-se perfeitamente em convívios com outros colegas investigadores, mesmo que não dominasse a língua em que todos falavam. Por vezes, era irritantemente otimista, sobretudo para os que, como eu, são eminentemente pessimistas. Esta era uma das características que mais o definiam.
Desde 2017, abraçou um novo desafio em Foz-Côa, onde as suas qualidades pessoais se evidenciaram e sustentaram o excelente trabalho que desde então vinha fazendo como presidente da Fundação Côa Parque. Nunca deixou de colaborar com o CIUHCT, sobretudo na investigação sobre o Antropocénico. Foi neste âmbito e no Museu do-Côa que recebeu uma equipa do CIUHCT para um workshop. Eram contagiantes, tanto a alegria com que nos recebeu, como o orgulho que sentia a falar e mostrar o “seu” Côa, as paisagens, os vinhos, a comida e, claro, as pinturas rupestres.
No passado dia 30 de janeiro, o Bruno deixou-nos. Foi uma daquelas mortes que não deveriam acontecer, por tão precoce e por nem sequer ter permitido um adeus adequado. Perdemos um excelente historiador e um acérrimo defensor da região do Côa. E eu perdi um amigo.
Hugo Pereira
Custa-me aceitar que o Bruno se foi. Estou inconsolável com a partida precoce do nosso grande amigo. Quando o conheci, aceitou alojar-se incondicionalmente em uma das nossas residências universitárias. Durante a sua permanência em Maputo galgava sem reclamar 8 andares em um prédio sem ascensor. Com a máquina fotográfica nas costas percorreu a pé as ruas de Maputo. Chegou a sítios que eu raramente ponho os meus pés. Ele aceitava ser tratado por tu. Só podia ser o Bruno. Em Lisboa, levou-me a conhecer a Ponte 25 de Abril, Cascais, o Aqueduto das Águas Livres, a Assembleia da República onde se encontram expostos três tomos da História da Assembleia por ele escritos. Questionei-o sobre a razão de pretender fazer um doutoramento, porque aquelas obras constituíam, para mim, mais do que suficientes para lhe conferir o grau de Doutor. Ele disse que é porque queria estudar a história dos Caminhos de Ferro. Só podia vir de uma pessoa como o Bruno. Ele tinha tantos projectos para realizar em Moçambique, mas o destino não o permitiu. Tinha um sentido de humor muito apurado e não se importava pelo facto de eu brincar com ele sobre as notas longuíssimas de rodapé. Enfim, adeus Bruno e que a tua alma descanse em paz.
Deixou um grande legado aos portugueses, aos moçambicanos, em particular aos meus estudantes da Universidade Eduardo Mondlane e da Universidade Pedagógica.
O que dizer à professora Maria Diogo, a mentora e formadora deste jovem historiador? Não tenho palavras.
Adeus Bruno, sentiremos falta das tuas notas de rodapé e dos projectos de investigação que continuaram quando, em 2019 à convite da tua mentora, amiga e colega Professora Maria Diogo participei no projecto "Resources, Infrastructures and the Anthropocene: Dialogues between the Global-North and the Global-South".
Maputo, 1 de Fevereiro de 2021
Inês Raimundo
Conheci o Bruno como doutorando na FCT NOVA e sempre vi nele um ser humano completo, disposto, com humildade a abraçar qualquer projecto com um sentido e humor que lhe era peculiar e a abraçar nele todos os colegas. Foram vários projectos onde os dotes de investigador, comunicador, empreendedor e verdadeiro apaixonado pela vida, se revelaram.
O Bruno tinha um carinho especial pelo CIUHCT e recordo a última vez que falei com ele depois da reunião do CIUHCT em Julho de 2020. Nessa reunião, na sua simplicidade, foi dizendo que tinha assumido novas funções no Ciência Viva e que contava connosco…lamento Bruno que a vida nos tivesse pregado esta partida e nos tivesses deixado assim.
Perdemos um grande colega e amigo. O CIUHCT ficou mais pobre.
Isabel Amaral
Mas o ouvido ainda o ouve: Bruno Navarro (1977-2021)
Todos aqueles que tiveram o privilégio de conhecer o Bruno sabem que era um académico brilhante, seguro e incisivo. Além do seu enorme profissionalismo e do trabalho notável que desenvolveu enquanto presidente da fundação Côa Parque, para os membros mais juniores do CIUCHT, que estão agora a realizar as suas teses de doutoramento, ele ficará na memória como inspiração tanto pela forma como defendeu a sua tese, com tal competência e confiança, sem vacilar, sem nervosismos e com enorme gosto pela pesquisa que tinha conduzido, como pela forma como foi capaz de conciliar a sua vida académica, pública e pessoal em harmonia.
Perante um jovem investigador, o Bruno não colocava barreiras, ouvia, atento e estava pronto a partilhar a sua experiência e conhecimento, derrubando qualquer insegurança. Promovia, pela sua presença e abertura, diálogos francos e descontraídos, de onde resultavam discussões rigorosas e marcantes para quem se lançava na carreira de investigação em história e procurava por exemplos que guiassem os seus primeiros passos. O Bruno representará sempre esse modelo: uma figura admirável pela riqueza, método e exigência do seu trabalho; capaz de reconhecer as ansiedades dos que ainda estão a passar pelas dores de crescimento inerentes à profissão para, com naturalidade e sem sobranceria, de uma só penada, acalmar essas inquietações e propor caminhos possíveis para questões que pareciam intransponíveis.
Mas, acima de tudo, o Bruno inspirava-nos, e continuará a inspirar-nos, pela sua joie de vivre contagiante. Entrar numa sala onde estivesse o Bruno era como um tónico para a alma. O seu calor humano, sentido de humor, generosidade e preocupação com o próximo fazia-nos sentir ouvidos e acarinhados. Foi um verdadeiro companheiro e um anfitrião excepcional, que nos tocou pela sua soberba humanidade, e a prova é que era impossível mencionar o Bruno em conversa sem nos vir um sorriso à cara.
Connosco ecoará sempre, também, a sua voz portentosa e grave. Uma voz que fazia as paredes ressoar de vida, de solenidade e de alegria expansiva, uma voz que nos abraçava. Se tínhamos a sorte de ouvir uma sua gargalhada—e, quase sempre, tínhamos— já estávamos sob o seu feitiço. A sua voz não só manifestava o Bruno, como corporizava à nossa volta as suas melhores qualidades. E sendo um amante, connoisseur e proselitista de bons vinhos, além de apaixonado pelos montes do Vale do Côa, só as palavras de J.A. Baker em The Peregrine lhe fazem a devida justiça:
The first bird I searched for was the nightjar, which used to nest in the valley. Its song is like the sound of a stream of wine spilling from a height into a deep and booming cask. It is an odorous sound, with a bouquet that rises to the quiet sky… The sound spills out, and none of it is lost. The whole wood brims with it. Then it stops. Suddenly, unexpectedly. But the ear hears it still, a prolonged and fading echo, draining and winding out among the surrounding trees.
Sentiremos eternamente a falta do nosso querido amigo e daremos o nosso melhor para manter vivos o seu legado, as suas ideias e o seu fortíssimo espírito de grupo, aos quais se entregou com uma energia, dedicação e júbilo inigualáveis.
Ivo Louro, Ana Matilde Sousa, André Pereira, Hugo Soares, João Machado, Davide Scarso
O Bruno era daquelas pessoas com quem gostávamos de estar, pela simpatia, inteligência e atenção ao outro. Recordo-me que no lançamento do seu livro Um Império projectado pelo "silvo da locomotiva", na Ordem dos Engenheiros – que aliás, decorreu de forma brilhante – esteve sempre atento aos outros, garantindo-lhes um excelente acolhimento, jogando o formal e o informal de forma única. Mesmo nesse "seu" momento dedicou-se com a sua natural simpatia aos amigos, colegas e convidados. É (era) a arte de se relacionar com os outros. É e será uma ausência difícil.
Paula Urze
Lidei muito de próximo com o Bruno, particularmente no estrangeiro. Tive o privilégio de analisar com colegas a nível internacional artigos seus e ouvir as melhores avaliações sobre os seus trabalhos. Tive o gosto de lhe tirar fotografias, que as conservo, quando ele entusiasticamente visitava os locais emblemáticos oferecidos, por exemplo, pelos congressos onde de forma contagiante apresentava os resultados da sua investigação. Sempre lhe vi um sorriso na cara. Sempre bem-disposto, bem-falante, eloquente, muito inteligente, excelente investigador, exigente académico e profissional, boa pessoa, gentil, abertamente simpático. Era-lhe muito fácil elogiar, reconhecer o outro. O elogio franco, a elegância do humor, nada lhe custava fazer. Sempre disponível para todos!
Nunca me esquecerei que me dizia sempre que apenas tinha menos 2 anos do que eu quando a diferença é de quase 20 anos…
O Bruno já deixa saudades, não me conformo com a sua partida, é insubstituível, adorava o seu carácter, perco um amigo muito justo e infinitamente querido. Os colegas, amigos, família, mulher e filhos têm extraordinárias memórias suas que perdurarão para sempre!
Dificilmente me esquecerei do Bruno, e tenho a certeza que a cultura e o país perderam um enorme cidadão.
Maria Elvira Callapez
O Bruno Navarro e eu fomos colegas muitos anos. Não sendo propriamente uma amiga, gostava do Bruno e acredito que o sentimento era recíproco. O Bruno era inteligente, divertido, bom conversador, cheio de charme e humor. Vai deixar muitas saudades, disso não tenho dúvidas
Teresa Salomé
Atribuição de louvor, a título póstumo, a Bruno J. Navarro.
Presto público louvor a Bruno J. Navarro, presidente do conselho diretivo da Côa Parque - Fundação para a Salvaguarda e Valorização do Vale do Côa entre junho de 2017 e janeiro de 2021, pela extrema competência e dedicação com que exerceu o cargo, manifestando o meu profundo pesar pelo seu falecimento precoce.
Ao longo seu mandato enquanto presidente do conselho diretivo da Fundação Côa Parque, Bruno J. Navarro foi um exemplo de dedicação, diligência, paixão e maturidade, mas também de ânimo, energia e de capacidade de liderança, deixando uma marca significativa nesta instituição de referência da cultura portuguesa e em todos os que com ele trabalharam ou colaboraram.
19 de março de 2021. - A Ministra da Cultura, Graça Maria da Fonseca Caetano Gonçalves.