Inquisição e Astrologia em Portugal, 1542-1640
Ciências ULisboa, Edifício 6, sala 6.2.43
29 maio 2024 · 14h00
Sessão do Seminário Helena Avelar de Astronomia e Astrologia Antiga com Francisco Malta Romeiras, que apresenta "Inquisição e Astrologia em Portugal, 1542-1640".
Resumo
Entre 1536 e 1821, o foro da inquisição envolvia vigiar, impedir e punir a difusão de doutrinas e práticas contrárias à fé e aos bons costumes católicos. Além dos julgamentos e dos autos-de-fé, o Santo Ofício estava também encarregue da censura preventiva e repressiva de livros. Para contornar a rápida desatualização e a manifesta incompletude dos Índices de Livros Proibidos, o Índice publicado pelo Concílio de Trento (1564) introduziu um conjunto de dez regras que estabeleciam critérios gerais para a censura católica. Nenhuma das regras tridentinas visava diretamente conteúdos científicos, mas as regras VII e IX justificavam a expurgação de obras de astrologia e de medicina. Como as artes divinatórias e a astrologia judiciária eram consideradas práticas ilícitas, a regra IX proibia as obras que tratassem explicitamente destas matérias. Os fundamentos da proibição remontavam a São Tomás de Aquino e prendiam-se com a violação do livre-arbítrio e com a certeza dos prognósticos. A salvaguarda do livre-arbítrio, e a aceitação implícita da teoria da influência celeste, permitiam a prática, e a leitura de obras, de astrologia natural. Quando era possível explicar os prognósticos através de causas naturais, a prática da astrologia era efetivamente sancionada, sobretudo nos casos de utilidade para a navegação, a agricultura ou a medicina.
Os Índices de livros proibidos ilustram bem as preocupações dos inquisidores. Porém, para se compreender o alcance da censura repressiva é necessário ir além da análise dos livros e autores proibidos listados no Index, nomeadamente através do estudo dos exemplares existentes nas bibliotecas nacionais. O estudo de coleções de livro antigo permite entender quais as diferenças entre o que estava preconizado no Index e o que foi aplicado na prática. Através da análise das coleções da Biblioteca Nacional de Portugal, por exemplo, chega-se à conclusão de que, no século XVI, os livros de história natural, de medicina e de filosofia natural foram mais censurados do que os livros de astrologia judiciária. Habitualmente, a avaliação do impacto da inquisição na censura dos livros foca-se na análise dos livros expurgados. Olhar para as ausências, porém, também pode ser informativo. Por exemplo, os livros de magia natural e alguns livros de astrologia judiciária nas coleções da Biblioteca Nacional não foram expurgados. Isto é surpreendente nos casos de Abano, Alcabitius e Abenragel, que foram condenados pela primeira vez nos Índices portugueses. Apesar de ser possível que estivessem guardados longe do olhar, as anotações marginais indicam que foram certamente lidos.
Nesta conferência, iremos abordar o papel da Inquisição na censura da astrologia em Portugal desde a fundação da Inquisição em 1536 até á Restauração da Independência em 1640, através da apresentação de três casos de estudo: 1) A identificação das obras de astrologia proibidas no Índices quinhentistas; 2) O estudo das práticas de expurgação nas colecções da Biblioteca Nacional; e 3) A análise dos processos inquisitoriais de Aires Vaz e de Manuel Rodrigues.